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Dia – CrónicasRoubo civilizacionalPor Onésimo Teotónio AlmeidaCom uma avó nascida em Providence, tenho família espalhada há muito por estas terras. E bem para norte. A Diana, filha de um primo, trabalha numa livraria do aeroporto internacional de Toronto. Há anos. Intrigada, pediu ao pai para me perguntar a razão de nunca encontrar um português na livraria, sabendo ela haver tanto tráfego luso naquele aeroporto. Propus ao pai a explicação de os portugueses serem poliglotas afamados. Certamente, por não esperarem deparar na livraria com empregados falantes da sua língua, usavam o inglês e o francês, que falam sempre com fluência, a ponto de ela nem sequer notar. Não sei se a Diana terá sido convencida. Pelo menos bem poderá quedar-se na dúvida e assim não há-de ficar com má impressão da cultura dos seus antepassados. É uma mentira étnica, daquelas a que os emigrantes têm de recorrer para não andarem a acumular recalcamentos deprimentes por se sentirem sistematicamente a perder nestes confrontos com outras etnias. Mas ao pai, o Eddy, contei uma das minhas estórias favoritas, de quase vinte anos: Um empregado da Brow veio ter comigo. Semblante preocupado e ar de quem precisava. Em português: Tinha um grande favor a pedir-me. Sabia que eu era o autor de um livro, Ah! Mònim dum corisco!..., e queria que lhe vendesse um exemplar. Desconversei. Comprar um livro que eu supunha divertido não era caso para tanta compunção. Teve de explicar-se: trabalhava há anos na universidade e limpava o gabinete de um professor que tinha muitos livros portugueses. Ele, que gostava muito de ler mas não tinha possibilidades de acesso a obras portuguesas em terras de emigração, começou a levar para casa de cada vez um dos livros do tal professor. Lia-o depressa e voltava a pô-lo exactamente no sítio de onde o tirara. Deixava passar uns dias e repetia a aventura. Mas sempre com medo não fosse apanhado. O processo funcionou durante anos até um famigerado dia em que levou para casa o tal livro. Alguém em casa começou também a ler, ao que parece gostou e passou a palavra ««porque o livro era de rir»». De repente, não se soube mais do paradeiro dele. ««Já lá vão duas semanas. Procurei tudo quanto era sítio para comprar um, telefonei para Portugal, mas nada. Até que me enchi de coragem e vim confessar, pedindo-lhe pelo amor de Deus que guarde segredo.»» Eu não tinha exemplares para oferecer. Cedi-lhe o único de que dispunha, mas não lhe prometi resistir a contar a história ao meu colega – percebi logo de quem se tratava. Ficasse ele descansado, pois nada aconteceria. Rogou-me insistentemente para não dizer, mas garanti-lhe que George Monteiro era um grande amigo e até acharia imensa piada ao caso. O Eddy concordou na raridade não representativa do caso. (Um jornalista luso-americano costuma dizer existirem dois negócios no mundo de antemão condenados à falência: vender frigoríficos no Alaska e vender livros às comunidades portuguesas). Mais atarantado ainda ficou quando lhe disse que o senhor era cabo-verdiano. Bem negro. E falta agora contar lhe que, na semana passada, quando nos encontrámos na escola para uma reunião de pais – temos filhos da mesma idade no secundário – me informou todo orgulhoso da intenção do seu rapaz mais velho de vir para Brow fazer estudos de pós-graduação. Acaba este ano a licenciatura em Engenharia no MIT. Pode parecer história do Readers’Digest, mas vai sem ficção nenhuma. Para estragar clichés. |
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Acordo Ortográfico
O que é o novo acordo? O LusoPresse decidiu adotar o novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Todavia, estamos em fase de transição e durante algum tempo, utilizaremos as duas formas ortográficas, a antiga e a nova. Contamos com a compreensão dos nossos leitores. Carlos de Jesus Diretor |
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